sábado, 26 de setembro de 2009

Cap. 2 - Uma Mulher Brava


A trajetória entre a Praia do Forte e o Aeroporto de Salvador teve um momento peculiar. No trevo de acesso a Itacimirim embarcou uma cabra furiosa da peste. Pelo sotaque parecia pernambucana, mas era melhor não perguntar de onde veio. Entre os muitos episódios envolvendo sua brabeza destaca-se o enfrentamento ao ex-marido armada de facão, peixeira e faquinha de serra. Para não falhar. Ela chuta, bate, se bota, não tem medo de nada nem de ninguém. Noite é dia e dia é noite. Enfrenta tudo. Da palavra ao murro e deste à facada é uma questão de segundos.


"Maria Ferreira me chamo e até hoje só levei tapa na cara de painho. E quando era menina, porque depois de grande veio me bater e eu dei um empurrão que ele caiu de cabeça no chão. Nunca mais chegou perto d'eu. Minha mãe dizia que eu deveria ter nascido homem. Homem pra quê, se o que mais tenho é coragem e força? Homem só monta em mim naquela hora - e tem que fazer bem feito se não eu dou é de unha nele. E tem mais: gosto de beber e bebo tudo: vodca, conhaque, cachaça ou cerveja. Sou forte na bebida, não só dessas que bebe, perde a cabeça, tira a roupa. Fico bêbada não. E, se já tô braba, aí é que a fúria aumenta.E garrafa eu quebro na primeira batida e já vô pra cima do cabra. Me chamo Maria Ferreira."

Quando ela pronunciou seu nome, logo pensei: é parente do Virgulino. O rei do cangaço deixara descendentes por onde essa mulher nasceu, tá aí o sangue refinado do maior vingador de Serra Talhada. Mas ela não parou de falar, e minha suposta árvore genealógica perdeu o fio da meada.


Os passageiros trocaram olhares. Um deles, evangélico, cochichou para o outro que ali faltava uma pitada de Jesus no coração da cabocla. "Já pensou, motora, que tal chegar em casa e essa mulé te esperando bem afiada? Eu largo é fora, que nasci com as canelas fina e boa pra disparada.Tô aí pra morrer de besta? Se ela é assim, imagina o pai dela." Pensei na importância de se pagar o seguro facultativo - viagem dessas requer periculosidade.

Ao descer em Lauro de Freitas, última cidade antes de Salvador, até o ônibus ficou mais leve. A vivente falou em pouco mais de meia-hora que até parecia um filme, um comício, um espetáculo, um episódio... afaste-se dessa mulher!

Salvador ia ficando pequeno na ponta da asa direita da gigantesca aeronave. Durante o voo fiquei pensando na infância, na adolescência, na vida de Maria Ferreira. Que força nas palavras!


Bruno Brum Paiva

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