quinta-feira, 22 de julho de 2010









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Bruno Brum Paiva





quarta-feira, 7 de julho de 2010



A Última Carta de Saramago


Bruno Brum Paiva

José Saramago iniciou seu derradeiro dia pelas linhas de uma carta. Tranquilo estava, apesar da enfermidade que o enteiava com dedos de bisturi em mãos de ferro. A sabedoria permite o desvencilhar das mazelas que a vida insiste em colocar sob realidade a quem justamente tem por ofício o mergulho no âmago da essência pelo caminho da arte escrita.
Sexta é dia de feira na ilha. Saramago gosta de escolher as frutas, entender sua maturação através do cheiro e da textura. Falar sobre cada damasco e sua origem, cada banana e seu ciclo, cada uva e seu melhor vinho. Mesmo vizinho e conhecido de todos é sempre uma atração, pois o anormal dentro de sua normalidade normaliza o ambiente daquele arquipélago escolhido não ao acaso para uma morada que acabou se tornando vitalícia. Mas naquela sexta Pilar foi sozinha à feira. Saramago desejava sorver os matinais e dourados raios de Sol para escrever uma longa carta a um amigo. Aliás, ele sonhara com o amigo por duas noites seguidas. Fragmentos desencontrados, símbolos incompreensíveis sobretudo para um homem descrente nos acasos coincidentes que alimentam as explicações rasteiras para o óbvio que se repete menos na razão que na forma. Precisava escrever. E uma leve dor de cabeça já é o suficiente para um quase nonagenário desistir de analisar frutas e responder as mesmas perguntas às mesmas pessoas. Pilar compreende, sempre compreendeu.
Provincia de Las Palmas, 18 de Junho de 2010. Após a data, a grande dificuldade era encontrar o fio da meada, o bom assunto que fizesse de uma simples carta um documento literário para estudiosos do futuro. Como dirigir-se e o que falar ao amigo que não via há cinco anos colocou o pensamento do grande prêmio Nobel numa centrífuga intercontinental. Pensou em Yasser Arafat e a incansável luta por uma Palestina sedenta de terra para cravar sua bandeira; respirou fundo quando lembrou da trajetória de Nelson Mandela e sua África do Sul hoje sede do grande espetáculo do esporte; com olhos quase mareados caminhou pelas ruas de Rosario, na Argentina, e a cidade irmã Porto alegre, no Sul do Brasil – Brasil do governo Lula, com o qual muitas vezes debateu e não rebateu tanto quanto o de outra ilha, essa agora em fase de relações amenas, afinal de contas não queria terminar seus dias com inimigos. À exceção da Igreja, essa sim não teria muito interesse em perdoar e tampouco ser perdoado. Afinal de contas não há culpa nem pecado. Somente saudade, saudade do amigo que deixara na última visita ao Brasil como convidado para o Fórum Social Mundial.
Pilar chega com as compras e o jornal. Fala da morte de um grande escritor. Lê algumas manchetes em voz alta, mas não percebe que Saramago já não ouve mais. Adormece num respirar sonoro mais forte. Pilar tenta despertá-lo. Em vão. O olhar sem luz indica um coração parado. No colo de Saramago está um bloco rabiscado e com várias frases inacabadas e algumas ideias anotadas. Na segunda folha, numa escrita cada vez mais trêmula, o início das últimas linhas:

Provincia de Las Palmas, 18 de Junho de 2010.
Estimado Igor Rodel,
Muito me tem apreciado na lembrança aqueles dias em que (...)