quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Vintenária

    Vinte anos depois de tocar aquelas pedras à beira d'água, novamente o susto ao ver a imensidão vertical contrastando um horizonte povoado de gaivotas, areia e pínus. Continua solitariamente nobre e defensor do rumo, como outrora fora descrito. Dessa vez a trajetória foi mais amena em seus acessos. Estrada boa, patrolada, cheia de placas e indicações. Região pouco povoada. Rodamos  26 km sem encontrar viva alma. Seguimos o faro da intuição do rumo, o que raramente nos engana. Quando avistamos a Lagoa dos Patos desconfiamos de que não estava longe, e mesmo a chuva fina e o vento forte não impediram de enxergá-lo majestoso qual o vivente que lhe deu batismo: Cristóvão Pereira. 

   O Farol demarca terreno, baliza navegações, referencia pescadores e aproxima os caminhantes. 

     Miramos ao longe, respeitando as condições de trânsito pela praia, já sabedores que uma parada por conta da areia fofa significaria uma pausa sem previsão de término. Servimo-nos do silêncio com  a total apropriação dos solitários, refletindo longa e profundamente acerca de uma construção centenária no meio do deserto e que está mergulhada na História de uma região que foi berço e que hoje é parada obrigatória para quem transita entre os dois mares que azulam a ponta do mapa-brasílis. Rincão dos tropeiros que fundaram Rio Grande e muito colaboraram na formação de Viamão, Santo Antônio e Laguna.

     Os feitos de Cristóvão Pereira  espicham um raio entre São Paulo e Uruguai. Voltar ao Farol, vinte anos depois, realimenta emoções que a latência do tempo adormecia empoeirada. O sopro é como o de um braseiro: aviva.


                                           Bruno Brum Paiva




domingo, 17 de fevereiro de 2013

A devassa do Pínus

   Dia desses estava a perambular pelas estradas do Rio Grande. No contraponto às magníficas paisagens que a Lagoa dos Patos propicia, entre becos e plantações de arroz e cebola que o Marujo teimosamente atravessava, surge o cenário da devassidão da terra pós-pínus.

    Entre o mar e a Lagoa, desde Palmares do Sul até São José do Norte, o pínus é uma praga. Enquanto convém aos gigolôs da madeira, as plantações apresentam-se domesticadas em alinhamentos que se perdem no infinito  olhar que não encontra outro ser em flora diferente do pínus. Depois de extraído o ''caldo" e cortada a árvore, a multiplicação é desordenada - é como se fosse pulverizado. E outra planta não nasce.

     Abaixo, algumas imagens do que restou de uma propriedade no Rincão do Cristóvão Pereira, em Mostardas. Em troca de alguns vinténs, vale a pena receber de volta a terra nesse estado?


       



                                                      



sábado, 2 de fevereiro de 2013

Casa Nova




   Iemanjá levou nosso Caesalpinia echinata para a beira do rio enquanto pescadores conduziam a imagem pelas águas do Guaíba paralelamente à multidão que transitava com vagar e fé pela Castelo Branco até a Igreja de Navegantes. Sábado era festa da padroeira de Porto Alegre, momento singular onde múltiplas forças se convergem num ato de muita densidade humana.

  Dia especial para nosso Caesalpinia mudar de casa. Após ser ruminado pela burocracia e até rejeitado pelo Jardim Botânico e pela SEMA, sob o dogma arboreofóbico de que planta não guasca não habita fecundas praças de nossos pampeanos matagais, o pau-brasil já quase árvore que no Mosteiro reinava soberbo, finalmente encontra uma terra na beira do rio em dia de Iemanjá.

    Aceito com carinho e regado em sua chegada, Caesalpinia já foi apresentado aos ipês, tipuanas, maricás, jacarandás, quero-queros e pica-paus seus vizinhos. Poderá estufar o peito ramificado, ampliar a gema apical e encravar suas raízes até que a idade adulta o permita chegar aos vinte metros. Entroncar-se, florescer e oferecer a sombra fresca que tempera as conversas mateadas. É muito bom saber que Iemanjá levou o pau-brasil para a beira do rio, no Beira-Rio.


                                    Bruno Brum Paiva