quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Matilde e o Gravador


     Matilde nasceu com ares de princesa. Queria ser. Acreditava ser. Era. O sonho foi apagado – ou acordado – ao casar-se com um varão um pouco mais bruto que seu pai. Somente quando se tingiu de núpcias pôde perceber que a prematura saída de casa para livrar-se do pai a fez cair nas  mãos de outro algoz: o esposo. E agora? Tocar em frente. Festas,  mulheres e falências, esse foi o palco de sua vida. Com pouco dinheiro e muito papo seu marido cinquentão apaixona-se por uma adolescente e joga-se no  mundo da volúpia.  Matilde, desesperada, compra um gravador para registrar a opinião de amigos e parentes a respeito do rumo que dará ao matrimônio. Não quer mais a cachorra poodle nem jóias raras para continuar inerte. Somente opiniões seguras, daquelas que tudo resolvem para  o outro.  E é por não acreditar quando Lucrécia fala, ao vivo, que por repetidas vezes ouve a fita já gasta por tantas regravações. Daquele retangular objeto vem a solução a partir da voz rouca e do jeito gago de Lucrécia  detalhar o plano. Se Matilde não o terá, tampouco será Morgana a dama de Alonso. Ele, o medonho, habitará para sempre o gelado chão do Jardim da Paz. Matilde quebra em pedacinhos e depois tritura no liquidificador sua preferida taça de cristal, que dará o letal tempero adicionado ao chá preto que todas as noites repousa ao lado da cabeceira. Matilde acorda de sobressalto e com muita sede; no emaranhado dos pesadelos por várias vezes tomou o chá. A xícara amanhece, como sempre, vazia. Alonso dorme serenamente. Ansiosa pelo telefonema de Lucrécia, Matilde desconhece o que a espera.

  
                 Bruno Brum Paiva

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

TEODORO


Pescador. Asmático. Cismado. Morava na Praia da Curva, que ficava próximo à curva da praia. Sempre dizia: 'o mar vai comer a Lagoa, o mar vai emendar na Lagoa'. Não gostava quando lhe diziam que esperança é a última que morre. Sua mulher, Esperança, gozava de boa saúde. Ele, um tanto trôpego e de pouco fôlego, não desejava que Esperança ficasse por último. E a quem tocaria o barco?


Teodoro picava o fumo sem olhar para água e tampouco para as mãos. Mirava o nada, atento apenas às previsões do tempo. Mar de dentro e oceano, água e mar. Talhamar. Na verdade, água e areia. Somente o pó. Solidão. A sentença bate no pensamento que cospe em palavras: tudo vai virar uma coisa só, tudo vai ficar debaixo d’água, areia sob água. Não sei o que será doce nem o que será salgado. Os peixes serão os mesmos, a comida dos peixes será a mesma. E Esperança, onde andará Esperança?


Esperança nasceu sem qualquer motivo para receber esse nome. Sua mãe queria colocar-lhe o nome de Graça, mas achava sem graça. Queria homenagear Auxiliadora, mas na hora de registrar aquela criança magrela falava tanto que acabou confundindo o escrivão. Meses depois, ao fazerem o cadastro para o recebimento do seguro entressafra, foram avisados: a menina não é Auxiliadora, é Esperança. Dona Fermiana achou aquilo uma bênção, um traçado forte, um destino. Quem sabe Esperança seria a esperança de grandes cardumes e poucas tempestades, de muito peixe e pouco vento, de água mansa e sem enchentes. Pobre criança, carregada de toda sorte e apelo de melhora daquela família em crescente desgraça, aos treze anos fora prometida ao velho Teodoro em troca de uma rede. O barco que trouxe o emaranhado de linhas e bóias levou a moça para longe dos olhos de Fermiana, que nutria a esperança de ver a filha dona daquele pesqueiro.


Teodoro. Debilitado a cada crise asmática, insistia com Esperança. Ela tinha de aprender o segredo das águas e seus esconderijos piscosos. A garota sonhava com outros esconderijos, aqueles prometidos pelo primo Patrício antes de ser tragado pela fúria do Atlântico em ressaca. Teodoro desconfiava que ela tinha outro. Esperança não seria a última a morrer. Vendeu-a picada junto aos peixes e gelo encomendados naquela linda manhã de domingo.


Bruno Brum Paiva

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Balneário do Pescador





Rasga uma península sulina
o elétrico do azul
lagoa, e os patos



A Lua
espelho crescente
luz nascente



Melhor poeta,
dias melhores:
Lagoa dos Patos.



            Bruno Brum Paiva


segunda-feira, 1 de setembro de 2014


          A dúvida




É estranho

amar e viver assim,

refletir a justa forma da vida

amando e odiando no mesmo instante.



                          Bruno Brum Paiva





terça-feira, 26 de agosto de 2014

Desejo e Sonho -

Deveria ser permitido voar pelo menos uma vez na vida. Se me fosse permitido voar, mesmo que fosse uma única vez em toda vida, gostaria de fazê-lo ouvindo Villa-Lobos.

                                                             Tina Gonçalves


Essa foi a melhor gravação que encontrei da música que ela mais amava e não por acaso a última que (acredito) ouviu. Só para dizer feliz aniversário!

http://www.youtube.com/watch?v=NxzP1XPCGJE

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Cercania das Águas


Após Salvador, ilha do Morro de São Paulo.
Fotos, depois.
Projeto Solo solando.

       Bruno Brum Paiva


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Projeto Solo



Inaugura-se um novo jeito de viajar: solo.
Partirei ao amanhecer do dia 22.07.

                         Bruno

sábado, 19 de julho de 2014

O zarpar do zangão e sua meia verdade





               
    Abélio, naquela intensa busca pelo primeiro lugar, grudou como pôde a rainha em seu voo nupcial. O coitado ignorava que o majestoso impulso o partiria ao meio.


   
                              Bruno Brum Paiva

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Agora sim, Ele






      Vários ilustres setentões impulsionaram fragmentadas palavras diante de obras tão grandiosas e, ao mesmo tempo, distintas. Através delas abracei Gil, Caetano, Paulinho da Viola, Keith Richards e tantos outros. Mas ele é Ele! Chico Buarque entra hoje na casa dos setenta pela porta da frente. É um privilégio ser contemporâneo desse gênio tão amado pelas mulheres e tão admirado ou quem sabe temido pelos homens. Só não ama Chico quem não consegue alcançá-lo com os ouvidos ou perceber o quanto de grito há em seu devastador silêncio.

      Parabéns, Chico, todos desejamos; obrigado, Chico, nós aplaudimos.


                                                              Bruno Brum Paiva


terça-feira, 3 de junho de 2014

Palco Pobre





          Antes, Derci faxinou o palco. Depois, sacudiu o palco do Teatro Nilton Filho. Foi um privilégio ter uma atriz encenando cantos e falas enquanto limpava física e espiritualmente as casas por onde passava. No Mosteiro, o dia que Derci vinha era só felicidade. À noite, até a escuridão era mais leve num sono angelical - afinal de contas foi um anjo em nossas vidas. E, agora, o palco ficou mais pobre.

             Vai , Derci, vai dar luz! E mais uma vez, obrigado.


                                                           Bruno Brum Paiva

sábado, 10 de maio de 2014

The Final Cut



Não é o último disco do Pink Floyd em sua formação  completa. Trata-se do último passeio com o que restava fisicamente da Tina. Andamos pelo Santuário Mãe de Deus, Belém Velho, Vila Nova, entornos do Beira-Rio, Parque Gigante, Assunção até o desembocar derradeiro no trapiche próximo ao Timbuca, nosso sagrado templo de mates e conversas de pedaladas ou andanças a quatro rodas. Em cada ponto salpicaram suas cinzas até o desaguar no Guaíba que levará ao mundo. Conversamos, rimos, choramos. No fim, eu e Dadá parecíamos maquinistas, foguistas ou coisa parecida que muito lida com fumaça e pó. Estávamos acinzentados, mirando a poeira humana que se dissipava nas águas. 

Tina voltou leve à natureza. Agora parte do seu pulso pulsa também na Lagoa dos Patos. Avante!

                  Bruno Brum Paiva


















domingo, 20 de abril de 2014

Fim de Nosotros


Hoje acabou Nosotros, acabou a dupla, acabou a luta. A plasia maligna que não é nova a levou. Tina agora é além.

                                Bruno Brum Paiva


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Mosteiro


Integral
Zerado
Sem fronteiras
Tampouco concessões
Ímã
Irmanado
Mosteiro
Nosotros
Y algo más.
Hoje
Adiante
Em diante
Acá
E não,
Lá.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Inaugural e distinta

De companheiro de estrada, somente o Micuim. Em quase todos os trajetos, solito, no mergulho dos pensamentos que nem sempre refletem porque raramente brilham. Lagoas dos Patos e do Peixe, mar, camarão, entardeceres, enluares, estrelares. 
E um tanto de escuridão.
As imagens, inocentes, dialogam.











                                 Bruno Brum Paiva