domingo, 26 de junho de 2011










Cascos soltos, olhos direcionados


Nesse dia em que o movimento que impulsionou Getúlio Vargas ao Palácio do Catete completa 80 anos, não poderia deixar de homenagear aquele ser que muito gaúcho carregou em seu lombo. Desde menino tem chamado minha atenção a maneira como os cavalos andam. A passo, a trote, a galope ou numa disputa em velocidade, aquela simétrica colocação das patas traseiras onde exatamente as dianteiras estavam, num lento ou rápido movimento sem nunca bater uma pata na outra. Sempre que andava a cavalo junto a outras pessoas ficava mirando fascinado aquela imponente dança dos cascos, num compasso marcado pela vontade de seguir em frente.
O cavalo tem sido um elemento quase mitológico no imaginário sulino dos últimos duzentos anos. Desde as guerras guaraníticas a carga de cavalaria tem sido usada com freqüência, perdendo um pouco a força nos anos trinta do século passado. Hoje, é mostrada apenas como um espetáculo romântico acerca da guerra.
Por sua trajetória prestada em batalhas, tendo o gaúcho este adorno guerreiro em sua cultura, o cavalo sempre tem gozado o mais elevado prestígio entre as pessoas. Para muitos, um símbolo de liberdade; para outros, elegância; outros, bravura. Enfim, dificilmente se encontrará um ser nessa terra que seja indiferente aos equinos.
Com o passar dos anos e a mecanização do campo, o crescente êxodo rural trouxe também para as cidades o velho companheiro dos pampas. Calçado com um sapato de ferro para amenizar a dureza das pedras, o que hoje vemos são ruas inundadas por esse guerreiro em outra batalha no cenário contemporâneo. Ainda observo o movimento sincrônico das patas, esse traço genético que lhe dá ares de fidalguia. Só não entendo por que aprisionaram seu olhar através das viseiras, porque o fazem olhar só onde pisa, só para onde desejam que sua carga seja endereçada. Com as patas soltas e o olhar preso, o cavalo que transita nas ruas está sempre cabisbaixo, como a se perguntar como foi parar numa agitada avenida, numa barulhenta sinaleira ou numa trepidante ponte, sem retorno.


Bruno Brum Paiva

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Renascer dos Esquifes



A Jubarte Empoeirada Beijou os Peixes Cheirosos.

Vento fraco e mar quase liso. A outra tentativa fora malograda pelo Atlântico em fúria numa manhã de sacolejos e batidas, vômitos e sustos, água escura e crespa numa total ausência de cetáceos. Nesta segunda tentativa o oceano é outro. Quarenta minutos de navegação será o suficiente para o comandante Peixoto anunciar a acrobacia das jubartes. Duas, três, cinco baleias pulando em torno do barco. O famoso borrifo, aquele esguicho de ar quente expelido às alturas, novos mergulhos e o lento desaparecer da cauda. Silêncio total. Todos arregalados com máquinas fotográficas e filmadoras em prontidão.
- Cadê as baleias, perguntei.
- Foram cheirar os peixes, respondeu o comandante. E antes que eu fizesse qualquer pergunta ele teceu uma longa explicação sobre o mergulho das jubartes à procura dos peixes não escamosos, pois esses seres marinhos exalam um cheiro, pelo medo da aproximação das gigantescas baleias, que as deixam calmas e com o senso de direção mais apurado, o que facilita tanto à reprodução quanto à procura de outros peixes, os escamosos, que são ricos em nutrientes – porém escassos naquela região entre os meses de agosto e dezembro. Caprichos da natureza. Fazendo um caminho inverso aos grandes mamíferos aquáticos, os pequenos peixes de espessa escama procuram águas mais frias para sua reprodução.
O barco gira lentamente em direção à costa. Comemos abacaxi, maçã, laranja e ouvimos algumas instruções caso outras baleias aparecessem. Jamais gritar, por exemplo, o que dificilmente é atendido quando aquele corpo de trinta toneladas é lançado à nossa frente num alegre bailar de nadadeiras e caudas. E outra coisa, falou Peixoto. Todos ficaram atentos. A baleia jubarte é a que possui a pele mais íngreme de todas as baleias, e por isso junta muita poeira. Coça muito, ela fica agitada e se bate, se joga de costas para eliminar essa poeira e com ela os fungos que muito incomodam. Depois mergulha suavemente à procura dos peixes cheirosos. Esse é o ciclo das jubartes.
A tripulação não contestou e tampouco confirmou as palavras do comandante. Sigo comendo peixes, independente da densidade das escamas.
Bruno Brum Paiva