segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A casa de dona Eva ficou triste









    Em plena efervescência do Fórum Social Mundial, embora o cenário das discussões passasse longe desse palco, Porto Alegre amanheceu um pouco mais pobre porque a morte subtraiu de nosso convívio o grande guardião do Theatro São Pedro. Foi-se para o outro reino da vida o grande artista que nunca foi ator, aquele singelo senhor que todos os dias dos últimos 36 anos abriu e fechou cada janela do magnífico teatro que leva o nome do padrinho de nosso Estado.

      Algumas vezes por semana faço o caminho Cidade Baixa/Centro ou vice-versa cruzando a Praça da Matriz e tangenciando o Theatro São Pedro. E não raro encontrava seu Oscar, chinelos havaianas, olhar sereno, sempre mirando aquela casa e conferindo se alguma pomba ou quem sabe mosca não havia deixado a marca naquele sagrado templo. Peça por peça, degrau por degrau, janela por janela, tudo era conferido por ele.

        Sempre tive uma curiosidade imensa pelo porão do Theatro e seus habitantes centenários, os fantasmas, os ensaios, os choros, as angústias e ansiedades deixadas antes e depois de cada espetáculo. Como era a vida lá embaixo? E um dia, após um show, desci com seu Oscar pelas escadarias e caminhamos vagarosamente por aquele labirinto. Falou, mostrou, registrou parte do que viu e viveu durante as décadas que ali habitou desde a reabertura da casa, em 1984.

        Na semana passada seu Oscar, 85 anos, despediu-se da velha morada para sempre. Missão cumprida, o espetáculo não pode parar. Mas a casa de dona Eva ficou mais triste.

                          Bruno Brum Paiva




quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O Farol e o Fórum


     Porto Alegre rumina mais uma edição do Fórum Social, agora tematicamente universal e não mais sob pseudônimo Mundial. Caminhadas, debates, shows, performances. A cidade fica rica e de mão dupla em suas relações, conseguindo manter seu ar provinciano e ao mesmo tempo experimentando o cosmopolitismo.

      Na ponta nordeste do mapa sulino uma referência turística é saudada em comemoração: o centenário do Farol de Torres, peça importante que dá luz e rumo a essa tão perigosa navegação do Atlântico. 

        Um evento marcando uma década de fomentos, luzes, ideias; um farol celebrando um século de guia aos viajantes das águas, que também precisam de luzes, que também fomentam ideias. Ideias que propõem  outros rumos, rumos que buscam outros ventos, ventos que esparramam outras ideias.


                                                        Bruno Brum Paiva

domingo, 15 de janeiro de 2012

Cômoro da Casca





      

  No último Natal visitei a Praia do Pescador, três léguas ao sul das Barracas, na Costa da Lagoa. Entre o café da tarde e o mate que antecede a entrada dos barcos no mar de dentro encontrei Teodoro fuxicando sua rede. Faceiro por mais uma noitada junto a Dorinha, respondeu antes de ouvir minha saudação vespertina apontando para água. Era seu jeito delicadamente xucro de oferecer sem cerimônias tudo que possuía, o conhecimento dos caminhos que serpenteiam bancos de areia até o canal onde os maiores e mais calmos peixes transitam livremente antes que uma rede os capture.

      Teodoro necessitava conversa, estava com o estoque abarrotado por três noites consecutivas de ótima investida em certeiros cardumes, pois só ele conhece bem os ventos que encurralam as tainhas na enseada do Rincão do Cristóvão Pereira. Optamos então por uma caminhada pela beira da lagoa até o Combro da Casca, um sambaqui de ancestralidade imemorial em nossa cultura açoriana. Ali fora um ponto de encontro de antigas tribos indígenas, uma referência geográfica anterior ao Farol do Capão da Marca e que cumpria, pelo  elevado tamanho de seu cume branco pelas conchas e areia da praia, uma espécie de balizamento primário à antiga navegação lacustre. O Combro da Casca era gigante, imponente, reluzia soberano por planícies desinfestadas de pinus e eucaliptos que a monocultura impôs ao agricultor contemporâneo. Era visto com nitidez por quem trafegava além das Barracas.

      Teodoro diminuiu a fala, pausou, olhou para o horizonte e para si mesmo comparando a subtração que o tempo relegou ao Combro da Casca à própria existência. Estaria ele também diminuindo sua força e quem sabe tamanho? Pediu-me então que registrasse para que um filho seu ou quem sabe neto pudesse conhecer o Combro da Casca ainda maior que qualquer pessoa ou animal em seu topo, ampliando dessa forma o  horizonte dos campos e das águas que desenham a Costa da Lagoa.


                          Bruno Brum Paiva
               http://noslemosporai.blogspot.com

       

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Artemosfera Audiodescrita


                                      Chalé da Praça XV, 1920


Trabalhar com audiodescrição é simplesmente magnífico, pois é a inclusão humana no processo imagético até então restrito aos olhares comuns. Ver através dos outros sentidos é também sentir. Sinta também essa emoção e venha quarta-feira para a Praça XV.

               Bruno Brum Paiva


 


Audiodescrição torna exposição de fotos acessível a pessoas com deficiência visual no Centro de Porto Alegre

Ação será no dia 11 de janeiro, às 18h, no Largo Glênio Peres


A exposição de fotografias da artista Carmem Gamba, no Centro da Capital, estará acessível a pessoas cegas e com baixa visão. Um grupo de audiodescritores ligado à Mil Palavras Acessibilidade Cultural realizará sessão de audiodescrição (AD) ao vivo dos painéis de fotos instalados no gradil do Chalé da Praça XV, no Largo Glênio Peres. A ação ocorre no próximo dia 11 de janeiro (quarta-feira), às 18h.

Pessoas com deficiência visual poderão entrar em contato com as imagens e compreender a exposição – que faz parte da mostra Artemosfera. A AD consiste em um recurso que torna acessível, através da narração, qualquer evento, vídeo ou produto cultural em que as imagens sejam relevantes para o entendimento e a interação com o conteúdo.

Serão oferecidas vendas para que o público sem deficiência visual conheça a exposição sem enxergar. Letícia Schwartz, integrante do grupo e sócia da Mil Palavras, explica que o objetivo é justamente apresentar a audiodescrição ao público amplo que circula pelo Mercado Público e Centro da Capital.

A expectativa, afirma ela, é chamar atenção para o fato de que as pessoas com deficiência são consumidores de arte, cultura e entretenimento. A ação revela a importância da busca de soluções de acessibilidade em toda e qualquer atividade cultural, ressalta.

“Para as pessoas com deficiência visual, a ação possibilita o acesso a uma atividade cultural de imensa relevância. Para pessoas sem deficiência, é uma maneira diferente de entrar em contato com a arte”, comenta Letícia.

Dados preliminares do Censo 2010 revelam que mais de 45 milhões de brasileiros têm alguma deficiência sensorial, motora ou intelectual, quase um quarto da população do país. Desses, 35,8 milhões declaram-se com algum grau de deficiência visual. Mimi Aragón, idealizadora da ação, observa: “Essas pessoas pagam impostos como todo cidadão e precisam ter assegurada sua  inclusão cultural. A AD não é um favor, mas um direito”.

Nesse sentido, salienta Mimi, é importante que os próprios deficientes visuais conheçam o recurso para cobrar de produtores e do poder público sua inserção em todo bem cultural ou evento de qualquer natureza. “E as pessoas em geral precisam conhecê-lo para que, num futuro próximo, ele esteja amplamente incorporado ao cotidiano de todos”, afirma.

A artista Carmem Gamba comenta que o Largo Glênio Peres é frequentado por uma diversidade de tribos. “E nada melhor do que dar um espaço para o rosto dessas pessoas no ambiente que elas ocupam. A exposição Esse Lugar é a Minha Cara nasce dessa ideia de ligar a pessoa ao espaço possuído, onde um é espelho do outro”, explica.

Ela define  a iniciativa de audiodescrição de seus painéis como “maravilhosa” e “de uma sensibilidade incrível”. Sem esconder a satisfação em ter suas fotos acessíveis a um público mais amplo, Carmem afirma: “A exposição irá atingir pessoas até então não pensadas pelos fotógrafos. Minhas fotos estavam expostas somente para quem enxerga. E agora estão disponíveis também a quem não enxerga ou enxerga pouco”.

A fotógrafa pretende disponibilizar a AD em seus próximos trabalhos. “Quero no futuro criar também uma exposição que explore os relevos, as formas, as texturas e as sensações”, comenta.

O depoimento dos usuários da audiodescrição

O estudante de doutorado em Educação da UFRGS Felipe Leão Mianes, que tem baixa visão, define a audiodescrição como uma verdadeira “revolução no acesso à cultura”. Segundo ele, o recurso representa uma imensa possibilidade de inserção cultural. “É um importante instrumento na adquisição de conhecimento e na compreensão de determinadas coisas que antes eram muito difíceis”, afirma.

Ele observa ainda que a realização de uma sessão de AD no Centro de Porto Alegre, onde circula uma grande quantidade de pessoas, permitirá que indivíduos que provavelmente não teriam acesso a uma exposição possam entendê-la e participar da vida cultural da cidade.

A professora Marilena Assis, que é cega e atua em diferentes espaços, diz que o recurso significa, para ela, oportunidade de acesso aos meios culturais – o que até hoje foi limitado em sua vida.  “A audiodescrição me entusiasma, pois agora posso compreender e discutir filmes, teatro, arquitetura e exposições com mais apropriação e segurança”, relata.

Conforme ela, o acesso aos bens culturais via AD é um direito que está, aos poucos, se tornando realidade. “Voltei a ter prazer em ouvir filmes na companhia de pessoas que enxergam, já que agora não perturbo os outros com minhas perguntas”, garante.

O grupo de audiodescritores

O grupo que assume a tarefa de descrever as imagens captadas pela fotógrafa Carmem Gamba é constituído por audiodescritores e consultores - estes com deficiência visual - arregimentados por Letícia Schwartz a partir da primeira turma de especialistas formada pela audiodescritora paulistana Lívia Motta, em Porto Alegre, no ano passado.

Integram o coletivo profissionais provenientes de diversas áreas - atores, escritores, funcionários públicos, jornalistas, locutores, pesquisadores acadêmicos, publicitários e técnicos de áudio - que estudam a teoria, prática e produção da audiodescrição. Juntos, já produziram a primeira AD de um videoclipe brasileiro ("O Caminho Certo", da cantora e compositora Luiza Caspary) e a audiodescrição da mostra acessível a cegos e pessoas com baixa visão do Dia Internacional da Animação 2011, entre outros trabalhos.


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