sexta-feira, 20 de setembro de 2013
















As Corujas
de Tavares


Há objetos em que o uso ultrapassa o significado primário do próprio nome. A coruja a que me refiro, quem diria, não é a ave símbolo da inteligência e sim um acessório para o trabalho em dias de sol. Naquela cidade litorânea, até fins da década de setenta, apresentar-se à sociedade exigia algumas regras comportamentais que bem justificava a importância de ser visto como um cartão de visitas para o seu futuro social. A moça, entre outras coisas, não poderia estar com a pele escurecida pelo sol, podendo tal feito culminar com a evaporação precoce de um eventual casamento em alinhavo, pois o trabalhar na roça era estigma de escravidão. Como uma donzela que almeja lograr um belo par, dizendo-se bom partido, aparece enegrecida pelo sol da labuta?
Surge então a coruja, uma primitiva armação de arame coberta com pano originalmente vindo como saco de açúcar. A armação, uma meia-lua que, com o sol de frente, a pessoa o avançava, fazendo então uma longa aba que protegia totalmente o rosto. Abaixo do queixo ficava preso com uma fita um delicado barbicacho. O mais incrível era ver aquela perfilhação de meninas perpendiculares aos canteiros de cebola, feijão ou milho, com suas corujas alvejadas e ora soltas à frente, ora suspensas à testa, quando então o sol já queria adormecer no horizonte. Entre o alaranjado crepuscular e o pipocar das estrelas muitas viagens de semeio, muda ou capina das respectivas culturas de época eram feitas até que alguém –sempre há um líder entre os trabalhadores- dava o sinal de que o expediente chegara ao fim. Esse ato, em se tratando de um sábado, era apenas um hiato entre a jornada de trabalho e o baile. É claro que em plena lavoura, independente do calor, mangas compridas seguidas por luvas colaboravam na performance visando manter as casadoiras lânguidas e formosas. Pó de arroz, clara de ovos, óleo de mocotó e babosa completavam os ingredientes para deixar pele e cabelos aconchegantes e como boas iscas para o enlace.
Com o passar do tempo e a mudança dos hábitos, a coruja vai lentamente cedendo espaço aos chapéus de palha e bonés. Hoje, a proteção dá-se por uma questão de saúde e não estética, dada a perfuração da camada de ozônio e a sensação térmica sufocante. Por ironia do destino e consequentes modificações ditadas pelo mercado da moda, o atual branquela é aquele que trabalha, e numa sociedade de profundos traços e ranços escravocratas o desprezo pelo trabalho faz com que as netas das que trabalhavam sob corujas e luvas, não estando suficientemente bronzeadas pelo que significa praia e jamais trabalho, busquem então um complemento até artificial para que a pele não fique branca, sob pena, do outro lado de uma mesma moeda, de se verem rejeitadas por não acompanharem o que temos como valor vigente de pele.
Atualmente, nossas corujas repousam na memória à espera de um reconhecimento quem sabe em forma de museu.
Em tempo: essas corujas guardiãs residem na praia do Mar Grosso, em Laguna/SC. Fotografia registrada na última passagem pela terra de Anita, março de 2008.


Bruno Brum Paiva

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