quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Fuga dos Camundongos

          


Desde pequeno Inácio ouvira música. Muita. Repetidas marchinhas carnavalescas povoaram seu imaginário de festas triunfais naqueles fevereiros. Quando menino, o carnaval era sempre no segundo mês do ano. Aquele infinito movimento giratório pelo salão o deixara em transe até a quarta de cinzas. O enterro dos ossos sepultava o carnaval até o ano seguinte. Metodicamente. E dessa maneira recomeçavam as rodas de chorinho na casa do avô todas as sextas, impreterivelmente, até o próximo fevereiro. Isso torturava Inácio, que outra saída não tinha além de ouvir o bandolim de Tirino acompanhado pelo pandeiro fora de cadência do avô. Seu João era boa gente, adotara o menino abandonado pela mãe, que fugira com um caminhoneiro, tratando-o como legítimo neto. Inácio não entendia o porquê daquelas noites barulhentas, das reuniões até quase o amanhecer, da gritaria, dos copos quebrados, dos poemas exaltados. Nunca vira uma briga, somente o canto sincopado imitando o timbre do bandolim. Por que se mexem tanto ao vibrarem  os instrumentos e por que sempre riem? Inácio acompanhava o ritmo, e o ritmo era uma fuga. O som do bandolim compassado no choro representara uma fuga de camundongos.

Bruno Brum Paiva

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