segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O Lírico no Árido








     
   Vinícius de Moraes foi tão bom crítico quanto poeta, o que é raro. Na apresentação do primeiro disco de Elomar Figueira ele fala do disparate que é a sílaba mar em seu nome, pois tudo nele é seco como o sertão à espera de nuvens.

    Volta e meia, um pouco por provocações sei lá de qual quilate do universo e outras por mero acaso do destino, caem raridades em minhas mãos. Com o Mestre não poderia ser diferente. Ganhei uma fita cassete sofregamente gravada por um amigo. Sempre levei em consideração o que musicalmente até então me apresentara, mas dessa vez achei que o rapaz estava maluco. Que música era aquela, que esquisitice sonora rodava naquele engasgado toca-fitas? Ouvi um pouco e não dei muita bola, apesar de não descartar uma posterior audição. “Quem sabe num outro momento”. E esse veio quando morava na outra ponta do mapa. Caminhava distraído pelas ruas de Recife, falando sozinho e olhando para cima em busca talvez de alguma resposta às perguntas que não fizera, quando vejo um cartaz esverdeado próximo ao Teatro do Parque, na rua do Hospício. Aquele senhor barbudo, olhar firme para o horizonte seco do sertão. Ele parecia sair do cartaz através do convite nada convencional: Elomar no Teatro do Parque. Quem pensa, vai.


    Veio um filme na minha cabeça, o da fita cassete abafada com aquela voz grave e aquele violão definidor. É o cara, pensei. Era. A partir dali comecei a prestar atenção e juntar os cacos de uma monumental obra que apenas aguarda um  patrocínio  para ter simplesmente tudo editado, partiturado e exposto ao grande público através da Fundação Casa dos Carneiros, nome de uma de suas fazendas no interior de Vitória da Conquista, BA. O arquiteto, fazendeiro, compositor, violonista, cantor, escritor e desenhista Elomar transita livremente no campo lírico de raízes áridas. Suas óperas falam de retirantes, amores impossíveis, cavaleiros indomáveis, donzelas perdidas, dores, traições, religiosidade de um povo no extremo sofrimento em busca de um melhor chão que não queime tanto os pés nem as plantas que desse chão raramente germinam. Tudo num universo medieval ambientado no Estado do Sertão. O Sertão é também um estado de espírito, e por isso tanto o cancioneiro popular quanto o erudito é apresentado na linguagem dialetal sertaneza.


    E, enquanto o mar não vira sertão, o sertão vira ópera.



                       Bruno Brum Paiva


                                                


Nenhum comentário: