O Grito Rouco
Naquela noite tudo parecia estranho, nenhum caminho levava ao sossego. A lua cheia, surgida no crepúsculo, de repente viu-se tragada pelas nuvens da chuva. Chuva é sinônimo de sapos, e o coaxar alegre dos anfíbios povoa musicalmente as trevas no Vale dos Monges, onde estamos. Raquel odeia sapos.
A noite avança rumo a segunda-feira. Todos foram embora, todos os que se propuseram a passar o feriadão de páscoa naquela casa. E nós, ficamos. Por que a coragem, por que a insistência de mais um dia? Aquela noite pôs em xeque o silêncio das anteriores.
A terceira roda do mate inicia o giro quando Raquel dá um pulo da cadeira. A aranha armadeira fez escala em seu ombro antes de pousar no chão, sisuda, encarando-nos com seus ferrões a postos. Gelamos. Os princípios ecologistas foram abafados pelo instinto de sobrevivência, e Protásio primeiro a trucidou para depois perguntar se concordávamos com a subtração do aracnídeo. Não imaginávamos, então, aquela exceção à vida sendo estendida outras cinco vezes, somatizando um terror descomunal nos momentos seguintes. Em seguida, Protásio abre a janela e só não tem seu rosto como alvo certeiro porque a rapidez age em forma de precaução. O animal morre pelejando contra a vassoura que o esmaga, da mesma forma outras duas, que cruzam do quarto para a sala. Vou ao banheiro, acendo a luz e no espelho está outra, mirando-me no reflexo. Quebrar o vidro? Minutos depois, a vassoura assassina disseca seu movimento perpendicular à parede, dando cabo a mais uma guerreira dessa noite sem fim.
A chuva passa e o mate é retomado, temperado pelas mais escabrosas estórias. Hora de dormir, camas no chão, tudo é movimento. Como nas outras noites, Protásio dorme no sótão. O sono vem, meio sestroso, tomando embalo na tensa madrugada. Seu rompimento é brusco, acionando os sentidos de alerta após o berro estremecedor de Protásio. O alvorecer é marcado pelo grito de exorção, fuga, pavor, liberdade ou quem sabe uma sonora saudação junto aos pássaros do outono. Até hoje nunca soubemos.
Bruno Brum Paiva
Naquela noite tudo parecia estranho, nenhum caminho levava ao sossego. A lua cheia, surgida no crepúsculo, de repente viu-se tragada pelas nuvens da chuva. Chuva é sinônimo de sapos, e o coaxar alegre dos anfíbios povoa musicalmente as trevas no Vale dos Monges, onde estamos. Raquel odeia sapos.
A noite avança rumo a segunda-feira. Todos foram embora, todos os que se propuseram a passar o feriadão de páscoa naquela casa. E nós, ficamos. Por que a coragem, por que a insistência de mais um dia? Aquela noite pôs em xeque o silêncio das anteriores.
A terceira roda do mate inicia o giro quando Raquel dá um pulo da cadeira. A aranha armadeira fez escala em seu ombro antes de pousar no chão, sisuda, encarando-nos com seus ferrões a postos. Gelamos. Os princípios ecologistas foram abafados pelo instinto de sobrevivência, e Protásio primeiro a trucidou para depois perguntar se concordávamos com a subtração do aracnídeo. Não imaginávamos, então, aquela exceção à vida sendo estendida outras cinco vezes, somatizando um terror descomunal nos momentos seguintes. Em seguida, Protásio abre a janela e só não tem seu rosto como alvo certeiro porque a rapidez age em forma de precaução. O animal morre pelejando contra a vassoura que o esmaga, da mesma forma outras duas, que cruzam do quarto para a sala. Vou ao banheiro, acendo a luz e no espelho está outra, mirando-me no reflexo. Quebrar o vidro? Minutos depois, a vassoura assassina disseca seu movimento perpendicular à parede, dando cabo a mais uma guerreira dessa noite sem fim.
A chuva passa e o mate é retomado, temperado pelas mais escabrosas estórias. Hora de dormir, camas no chão, tudo é movimento. Como nas outras noites, Protásio dorme no sótão. O sono vem, meio sestroso, tomando embalo na tensa madrugada. Seu rompimento é brusco, acionando os sentidos de alerta após o berro estremecedor de Protásio. O alvorecer é marcado pelo grito de exorção, fuga, pavor, liberdade ou quem sabe uma sonora saudação junto aos pássaros do outono. Até hoje nunca soubemos.
Bruno Brum Paiva
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